A MORAL DO BRASIL

*Adaptado de artigo publicado por Leila Krüger no jornal Gazeta do Povo

Em 1936, o historiador Sérgio Buarque de Holanda difundiu a expressão “homem cordial” – mencionada ainda antes pelo poeta Ribeiro Couto. No clássico livro Raízes do Brasil, Buarque de Holanda sugere a figura do homem cordial, que buscaria intimidade, guardando um fundo emotivo, ele que seria elogiado pelos estrangeiros devido a sua generosidade e receptividade.
Porém, o homem cordial pecaria ao negligenciar convencionalismos sociais, e lhe seria impraticável a distinção entre instâncias físicas e privadas, Estado e família. A partir das observações de Holanda é que surgiu a definição de “jeitinho brasileiro”: em suma, improvisar em situações problemáticas, desprezando procedimentos estipulados previamente.
Em tempos de Eleições e tantos debates sobre corrupção, é propício falar sobre o “jeitinho brasileiro”. Em sua raiz etimológica, costuma envolver criatividade, flexibilidade, esperteza (no bom e no mau sentidos), mas também malandragem, transgressão, talvez até certo egocentrismo, de buscar levar vantagem em tudo, como naquela propaganda da Lei de Gérson. O jeitinho brasileiro não foge ao fato de caracterizar descumprimento de regras ou sua manipulação interesseira.
Condenamos, em geral, a corrupção, o roubo, a mentira, no entanto tudo isso faz parte do lado nefasto do jeitinho brasileiro. Aquele comportamento que está enraizado na cultura do nosso povo. Reclamamos dos políticos, mas nos esquecemos de que a democracia elege governantes provenientes do próprio povo. O governo é o reflexo dos eleitores, estes os escolhem.
Os políticos brasileiros tendem a adotar o jeitinho asileiro. No caso de muitos deles, isso significa roubar bilhões com uma empreiteira. É isto: o impacto é bem maior quando em larga escala, quando o jeitinho é praticado por uma pessoa influente, mas cabe a nós indagar: e simular uma falta em uma pelada com os amigos – Neymar, e outros jogadores brasileiros têm fama de malandros – talvez não seja tão diferente de ter laranjas para acobertar dinheiro e posses ilícitas. Tudo isso é jeitinho brasileiro. É levar vantagem em tudo, é simular, é prejudicar o outro, é burlar regras e leis.
Nós, brasileiros, em geral preferimos eleger políticos que correspondam à imagem que formamos do “homem cordial”, é algo já estabelecido, de forma que não nos importamos com o lado negativo desse comportamento. Não preferimos políticos austeros e carrancudos – diz nossa história –, mas os cativantes, que tenham o jeitinho brasileiro. Com um sorriso no rosto, seremos enganados por outros sorrisos e abraços, seremos adulados e alegremente roubados.
O fato é que o combate à corrupção começa em nós, povo brasileiro, no rigoroso cumprimento das leis e normas estabelecidas. Nossa sociedade precisa mudar, rever os políticos em que vota, pensar mais no outro, no país, na lei, no bem comum. Antes de reclamar de Palocci, Cunha, Temer, Lula, não furemos filas, não fumemos em áreas proibidas, não estacionemos onde não é permitido.
Uma grande mudança sempre começa com pequenas atitudes.
Chegou a hora de mudar nosso Brasil – quer dizer, mudar a nós próprios – e o jeitinho brasileiro quase sempre pega mal, cada vez mais: é só olhar a situação caótica a que chegou nosso país. Para dar jeito, talvez seja necessário deixar de lado o jeitinho brasileiro. Em todas as esferas da nossa sociedade. Em mim, em você, em todos nós.