O mais longo julgamento já realizado no Rio Grande do Sul chegou ao fim nesta sexta-feira (10), com a condenação dos quatro réus pelo incêndio que matou 242 pessoas na boate Kiss, em Santa Maria (Região Central), na madrugada de 27 de janeiro de 2013. Sentenciados por homicídio simples com dolo eventual, os acusados receberam penas de 18 a 22 anos de prisão em regime inicialmente fechado.
Ao proferir a sentença, o juiz chegou a decretar a prisão imediata dos acusados, mas um habeas corpus preventivo concedido à defesa pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) determinou a suspensão da medida. A decisão agora depende de análise do colegiado.
– O sócio da boate Elissandro “Kiko” Sporh recebeu pena de 22 anos e seis meses.
– Para seu parceiro na empresa, Mauro Hoffmann, a sentença foi 19 anos e 6 meses.
– Já o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, foi condenado a 18 anos.
– O produtor de eventos e assistente de palco do grupo musical, Luciano Bonilha, também recebeu pena de 18 anos.
Conforme o Ministério Público (MP), os quatro homens cometeram homicídio simples com dolo eventual assumiram o risco de causar mortes ao não prevenir a possibilidade do incêndio e também agir em desacordo com a legislação.
O dolo eventual é configurado quando o indivíduo opta por praticar o ato, mesmo prevendo, admitindo ou aceitando o risco de produzir o resultado indesejado. “Para o Ministério Público, essa conduta se aplica aos quatro réus”, explicou o site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS).
Dentre os elementos destacados pela acusação no julgamento estão a superlotação da Kiss na noite da tragédia, o uso de uma espuma no teto para isolamento acústico que no incêndio liberou gases tóxicos, o que provocou a maioria das mortes, e o uso e manejo irregulares pela banda Gurizada Fandangueira de artefatos pirotécnicos em ambiente fechado, entre outros pontos.
Ao ler a sentença, o juiz Orlando Faccini Neto afirmou que apesar das penas altas, os réus condenados ainda terão tempo para experimentar a vida, direito que não poderá ser exercido pelas vítimas do incêndio.
Duração inédita
Foram dez dias consecutivos de sessões no Fórum Central de Porto Alegre, duração inédita na história do Judiciário gaúcho – até então, o recorde pertencia aos cinco dias de júri (em março de 2019) dos quatro réus pela morte do menino Bernardo, em Três Passos (Região Noroeste do Estado).
No caso da boate Kiss, desde a semana passada prestaram depoimento 32 pessoas, incluindo 28 testemunhas ou informantes e os quatro acusados. Antes disso, as responsabilidades haviam sido apuradas em seis processos judiciais. O principal tramitou na 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria, acabou desmembrado e originou outros dois.
A escolha de Porto Alegre como local da sessão se deve ao fato de que, no ano passado, foi concedido à defesa de três dos quatro réus (Elissandro, Mauro e Marcelo) um “desaforamento”, expressão jurídica que significa a transferência de um julgamento para outra comarca que não aquela da cidade ou região onde o crime foi cometido.
O acusado Luciano não manifestou interesse nesse tipo de troca. No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) determinou que ele fosse mantido com os demais réus, em um único julgamento.
Relembre
O incêndio da boate Kiss ocorreu na madrugada de 27 de janeiro de 2013. Na ocasião, casa noturna promovia a festa universitária “Agromerados”, com a apresentação da banda Gurizada Fandangueira.
Durante a festa, o produtor de eventos do grupo, Luciano Bonilha, acendeu um artefato pirotécnico que estava na mão do então vocalista Marcelo de Jesus dos Santos. O fogo atingiu um material inflamável utilizado em parte do teto sobre o palco e as chamas se alastraram rapidamente.
Em pânico, o público teve dificuldades para deixar o local e 242 pessoas (a maioria jovens) acabaram morrendo no interior do estabelecimento, por asfixia causada pela fumaça tóxica. Outras 636 vítimas ficaram feridas.
O caso de Santa Maria foi o incidente com número maior número de mortes simultâneas na história do Rio Grande do Sul. Também está em segundo lugar no ranking brasileiro, que tem no topo o incêndio do Gran Circo Norte Americano, ocorrido em 1961 na cidade de Niterói (RJ) e que deixou um saldo de 503 perdas humanas.
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