A Literatura salva

* publicado no Jornal HoraH

A maioria de nós já leu muita coisa sobre o isolamento, a quarentena, o desemprego, a miséria, o medo, a depressão, a confusão, a ansiedade e os males físicos e psicológicos gerados pela pandemia de Covid-19, o coronavírus, que teria vindo dos longínquos morcegos da remota vila de Wuhan, na China. Sabemos que temos de nos higienizar, lavar as mãos, evitar toques em pessoas e objetos em áreas públicas, o álcool-gel se tornou uma pepita de ouro…

Sabemos bem o que está acontecendo, embora alguns relevem, outros sejam alarmistas. Não se sabe bem quem tem razão. Talvez seja um meio-termo, mas a situação é grave. Global. É grave a ponto de, como citei, provocar depressão, insônia, ansiedade, ataques de pânico, desânimo, faltas extremas, abandonos econômico e social em muita gente. E perdas. Vidas perdidas, aos milhares, todo dia. Não é mais “a doença dos velhinhos”, o vírus está se fortificando, no corpo e na mente.

Pode ser uma forma metafórica ou literal. De muitas maneiras, a leitura salva, os livros salvam, o conhecimento e o autoconhecimento salvam, do que está ao nosso redor e influi sobre nós, do que somos e sentimos.

Venho aproveitando o isolamento e o caos para ler e escrever. Outra coisa que salva: escrever.

Qualquer um pode escrever, e nenhuma escrita pode ser vã, motivo de chacota ou vergonha, se tiver verdade interior. As pessoas estão sendo estimuladas a escrever diários para desabafar durante a pandemia, em especial médicos que trabalham na “linha de frente” do combate ao vírus, nossos heróis que não usam capa, mas máscaras, luvas e a força que brota de sei lá onde.

Aproveite este momento da História que jamais será esquecido, que às vezes se parece com um filme como “Pandemia” ou “O livro de Eli”, algo surreal, aproveite-o para ler. E escrever, se quiser. É Literatura Literatura salva. Abre os olhos para ver, a cabeça para pensar, o coração para sentir, acreditar, sonhar, compreender.

É tão triste que pesquisas indiquem o fato de que aproximadamente metade da população brasileira não leia nem um livro por ano. Nem um livro. Em 365 dias.

E pensar que quem tem livros nunca está sozinho. E pensar que se pode aprender a amar os livros, as palavras, as histórias, e vivê-las dentro de nós mesmos. Aprender com elas. São livros de ficção e não ficção, pode ser autoajuda de padres famosos, ou clássicos mundiais, ou um e-book de um autor desconhecido, um livro que quase ninguém leu, seu próprio livro. A Literatura é democrática, nela cabe tudo, e tem de caber, pois ela traduz o mundo e a alma como o faz a arte.

Rubem Alves nasceu em 1933 em Boa Esperança, Minas Gerais, cidade que combina com o que propagou em vida. Vai fazer seis anos que nos deixou, mas seus livros, como todos os livros, são imortais. Suas palavras ainda ecoam. E, nesta pandemia, quero repeti-las como um mantra: “E penso que meu mundo seria muito pobre se em mim não estivessem os livros que li e amei…”. Que lindo.

Ler e amar, as palavras, as pessoas.

Então eu faço um desafio a você: que tal começar a cultivar o hábito de ler nesta época em que, finalmente, a maioria de nós tem tempo, porque foi obrigada a parar, a se isolar, a se aprisionar em sua casa? E estamos sensíveis, abertos, sedentos. Que tal ampliar o hábito da leitura, conhecer novas literaturas, mares profundos e fundos sobre os quais possa navegar, como o pescador Santiago navegou, sozinho e com olhos brilhantes (todo o resto nele era velho) em “O velho e o mar” de Hemingway. Eu poderia deixar aqui uma lista enorme de sugestões de livros, mas primeiro que cada um tem seu gosto. Segundo, TEM de haver algo que você goste de ler, a Literatura é tão rica! Vai muito além do que se divulga por aí, do que dizem que é “obra-prima”. Há quem odeie Paulo Coelho, há quem o ame. Há quem ame Agatha Christie, e quem a odeie – ok, isso é difícil, em se tratando da autora mais vendida de todos os tempos, a Rainha do Crime, autora de mais de oitenta livros.

Enfim, seja em tempos de Covid ou de paz, minha vida e quem sabe a sua seriam muito pobres se em nós não estivessem os livros que lemos e amamos… que nos leram e nos amaram. Caso você não saiba, livros podem ser nossos melhores amigos. Eles nos abraçam, em tempos de abraços proibidos. Eles entendem você e o fazem entender coisas, entender a si mesmo.

“Um livro é um coração que bate nas mãos de quem lê.” Essa também é minha, e hoje sinto que meu coração bate cada vez mais forte pelas palavras. Que são infinitas. Que me encontram onde eu estiver, que me resgatam, me apresentam dúvidas que me fazem evoluir (mesmo na penumbra da reflexão), me carregam “para mundos nos quais eu possa viver” (lembrando citação de Anaïs Nin).