Tempos sombrios: a pandemia de suicídios de adolescentes, como prevenir?

Leila Kruger

Nossa época é marcada por modelos de idealização de estilos de vida, alta concorrência e busca de resultados e satisfação rápidos e o mais eficientes possíveis. Uma “maquinização” do ser humano, que, não por isso, deixa de ser e ter o ente humanizado, com seus sentimentos e pensamentos muitas vezes reprimidos ou tolhidos. São tempos sombrios, em que o número de pessoas que cometem suicídio só aumenta, e essas pessoas são, na grande maioria, adolescentes e jovens entre 15 e 29 anos – segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

De acordo com a OMS, para cada caso de suicídio no mundo há, ao menos, 20 tentativas. No Brasil, em especial, a quantidade de suicídios é alarmante e tem aumentado – assim como os casos de ansiedade e depressão. Estudos estimam, aliás, que 70% dos suicidas têm problemas psiquiátricos, como os citados anteriormente ou bipolaridade, borderline, esquizofrenia etc.; e, frequentemente, dependência de álcool e drogas ilícitas. Por outro lado, países de Terceiro Mundo, com baixa qualidade de vida, apresentam números muito mais altos de suicídio hoje em dia, o que mostra o quanto a condição social influencia em nosso bem-estar.

Além das questões econômicas, temos o bullying, no campo social e, notadamente, educacional, como uma das principais causas de suicídio. O bullying ocorre com frequência nas escolas ou entre adolescentes em redes sociais, além do fato de muitos potenciais suicidas terem sido ou estarem sendo abusados sexualmente, na maioria das vezes por familiares – o que é um dos grandes motivos para adolescentes decidirem findar sua vida.

Ademais, os adolescentes estão passando para a fase adulta, “saindo do casulo”, seu corpo e mente estão em transformação e se encontram em uma fase de formação de sua identidade, aceitação e questionamentos, desde a escolha da profissão até a descoberta da sexualidade, sendo mais vulneráveis a se desestabilizar emocionalmente, e, enfim, cometer ou tentar cometer suicídio. (Nota: os casos de suicídio vêm aumentando ainda entre idosos e pessoas adultas, embora em menor escala que em adolescentes).

E como prevenir esta “onda de desespero coletivo”? Porque os profissionais de saúde mental costumam ligar suicídio a sentimentos profundos de perda, frustração e desesperança. É como se não houvesse saída, do ponto de vista da pessoa vulnerável. Uma parede intransponível entre elas e o mundo “cru”, o isolamento progressivo, pequenas mudanças de comportamento que poucos notam – inclusive pais e professores.

Para combater o suicídio e o sofrimento emocional, em 1962 foi criada a organização filantrópica Centro de Valorização da Vida (CVV), um trabalho voluntário para prevenção e atendimento a pessoas vulneráveis, incluindo suicidas potenciais (disque 188), além de outras ONGs. O tema vem sendo tratado com certa frequência, com grande ibope, mas devemos cuidar para não “romantizar” o suicídio ou suicidas, o que é um risco enorme quando abordados em livros, filmes ou séries – que podem e devem conscientizar a população sobre o assunto, como “13 Reasons Why”.

Pais (ou criadores), família, amigos, professores, todos devem estar atentos a mudanças de comportamento de quem amam, ou de pessoas de seu convívio. O silêncio, a falta de desabafo, agressividade e abuso de substâncias são avisos. Notas que despencam na escola ou faculdade. Mangas compridas, mesmo no calor, para esconder mutilações com objetos cortantes, frequentes em suicidas como autopunição. Freud já dizia que, quando alguém comete suicídio, na verdade está matando não a si mesmo, mas seu “outro eu” com que não consegue lidar.

Indica-se, para pessoas com ideações suicidas – em comentários ou comportamentos, às vezes sutis, de autodestruição e autodepreciação – terapia e até medicação, além do acolhimento.

Não é fácil falar sobre o próprio sofrimento nos dias em que vivemos: parece que é uma vergonha ficar triste, sofrer, se sentir frustrado. Há uma “positividade tóxica”, forçada. Palavras de incentivo ou força de vontade nem sempre resolvem.

Tenho uma frase com a qual gostaria de terminar este texto: “Mal sabem os que amam que, às vezes, estão salvando vidas”. Literalmente. Até 90% dos suicídios, segundo a OMS, podem ser evitados. Amar e compreender, mesmo sem entender, é uma maneira de salvar vidas.

O suicídio é a forma mais extrema de desistência. Não é que “de repente alguém tirou sua própria vida”, isso já vinha passando pela cabeça da pessoa, ainda que após um fato repentino. Observe. Converse. Aceite, compreenda – não falo em libertinagem nem permissividade, é claro. E, lembrando, se necessário, disque 188 para falar com o CVV, ou envie uma mensagem no site cvv.org.br.

Certamente você conhece alguém que “se foi antes da hora”. É sempre triste, “tinha uma vida pela frente”. E, mesmo idoso, morreu no abandono. E talvez você até já tenha pensado em abreviar sua vida, a fim de evitar sentimentos agudos de dor, vergonha, fracasso, desesperança. “Mas é claro que o sol vai voltar amanhã, mais uma vez, eu sei / Escuridão já vi pior / De endoidecer gente sã / Espera que o sol já vem” (Legião Urbana). Aproveite seu maior presente: ser único e única, e poder decidir quem é e que caminhos vai seguir, e mudar de ideia sempre que necessário. Ninguém deve decidir por você.

A vida é nosso bem mais precioso, um dom dado pelo Criador – para quem acredita nele. Você foi a célula escolhida por um dentre milhares de espermatozóides, você já venceu por estar aqui. E tudo pode mudar a qualquer momento – a vida é tão incerta, e pode ser pelo lado bom! Não hesite em buscar ajuda médica, psicológica, e externar suas dores. Quando não falamos, o corpo fala. O corpo deixa de querer existir. Você é mais forte do que imagina, se começar a tentar e a ter fé.