Gestores de saúde reportam cenário de guerra por falta de equipamentos, remédios, pessoal e recursos

Marinella Peruzzo / Agência de Notícias

Mais de cem pessoas participaram de conferência virtual promovida pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, na manhã desta quarta-feira (17), para discutir a ocupação e disponibilidade de leitos, insumos, equipamentos de proteção e recursos humanos na rede hospitalar do estado. O encontro, proposto pelo deputado Valdeci Oliveira (PT) e conduzido pela presidente da comissão, deputada Zilá Breitenbach (PSDB), contou com a presença do chefe do Legislativo, Gabriel Souza (MDB), do líder de governo Frederico Antunes (PP), da secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, do secretário municipal da Saúde de Porto Alegre, Mauro Sparta, do subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Marcelo Lemos Dornelles, e de deputados membros da Comissão de Saúde, médicos, dirigentes hospitalares e conselheiros de Saúde.

Os representantes da rede hospitalar foram enfáticos ao descreverem o cenário de guerra enfrentado pelos profissionais da saúde em decorrência da pandemia da Covid-19, e apontaram a elevação nos preços de medicamentos e insumos, a falta de equipamentos, como respiradores e cilindros de oxigênio, a exaustão das equipes e a dificuldade de custeio da estrutura hospitalar. O líder do governo na Assembleia Legislativa, Frederico Antunes, afirmou que proporia aos demais parlamentares a destinação à Saúde da totalidade dos recursos (R$ 55 milhões) provenientes de emendas parlamentares que cabia a eles indicar, como foi feito no ano passado.

O presidente da Federação das Santas Casas Santa Casa e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Rio Grande do Sul, Luciney Bohrer, disse que os hospitais filantrópicos atendiam a mais de 70% da demanda dos pacientes de Covid-19 no estado, com 2.018 leitos de UTI sendo utilizados, sem falar nas emergências, que também vinham mantendo pacientes entubados. Referiu as dificuldades para a aquisição de medicamentos, pela falta dos mesmos, pelos altos valores que vinham sendo cobrados ou pela exigência de pagamento antecipado, e a insegurança em relação a oxigênio e cilindros. Também apontou o estresse vivido pelos profissionais de saúde.

Cristiano Dickel, do Hospital Bruno Born de Lajeado, citou uma série de itens que tiveram aumento nos últimos meses, informando que a média de gastos com equipamentos de proteção individual (EPIs), por exemplo, que era de R$ 170 mil, passou para R$ 563 mil, tendo se passado o mesmo com outros itens do cotidiano do hospital. Também o número de pacientes de Covid passou de cinco pacientes para 54 na UTI e de 12 para 72 nos leitos clínicos.

Elita Hermann, do Hospital Sapiranga, afirmou que na sua cidade a situação não era diferente, tendo partido de 12 leitos para 43, sem condições de contratar novos colaboradores. Contou terem sido obrigados a fechar a emergência a fim de atenderem os pacientes que já se encontravam no hospital.

Luciano Morschel, do Hospital de Cachoeira do Sul, externou sua preocupação com a falta de medicamentos, em especial neurobloqueadores, cujos estoques eram suficientes para apenas quatro dias. Segundo ele, a quantidade desses medicamentos que costumavam consumir em um mês era a quantidade consumida hoje em um dia. “É uma coisa absurda o quanto aumentou”, avaliou. Em relação ao consumo de oxigênio, disse que o abastecimento era feito a cada 15 dias, tendo passado depois a uma semana e agora a quatro dias. Disse que possuíam hoje quatro ou cinco respiradores, mas que não havia qualquer perspectiva de queda da demanda, e observou que, se agora a questão financeira não era o foco, sabia que isso teria repercussão mais à frente.

Clóvis Soares, da rede Divina Providência, contou terem triplicado o número de leitos para Covid, mas disse que ainda assim estavam com sua capacidade além dos 100%. Também descreveu a busca por ventiladores e os esforços feitos até o momento para dar conta da situação. Segundo ele, havia pessoas morrendo antes de conseguirem acessar o sistema. “Parece que estamos sozinhos, só nós enxergando esse caos”, declarou emocionado.

Dificuldades semelhantes relataram Celso Teixeira, do Hospital Santa Bárbara, de Encruzilhada do Sul, e Fernando da Gama, do Hospital Beneficente Leonilda Brunett, de Ilópolis. “Iniciamos com nove leitos para Covid, pulamos para 18 e estamos agora com 22”, disse Teixeira, explicando estar com as equipes cansadas, fazendo horas extras, sem férias, e que não tinha como abrir mais leitos. Sugeriu que os postos de saúde ampliassem seus horários de funcionamento.

Vanderli de Barros, do Hospital Vida & Saúde de Santa Rosa, contou que uma caixa com cem luvas que custava R$ 13,92 no ano passado, passou a custar R$ 89,00 este ano. Um determinado anestésico cuja ampola custava R$ 2,50, segundo ela, hoje custava R$ 20,24. Disse que, além da dificuldade de encontrar os medicamentos, havia esse aumento exagerado, especialmente nos kits de relaxamento muscular e anestésicos. Gilberto Antonio Gobbi, administrador do Hospital Ana Nery, de Santa Cruz do Sul, e presidente Sindicato do Vale do Rio Pardo, citou anestésicos pelos quais se pagavam R$ 8 mil por mês e hoje custariam R$ 130 mil.

Valdemar Fonseca, do Hospital de Caridade de Santo Cristo, contou que pararam todos os procedimentos eletivos, mas não receberam qualquer orientação sobre custeio da estrutura hospitalar. Ele avalia que não haverá recursos para o que deverá vir depois, isto é, uma epidemia de procedimentos represados. Para ele, os recursos provenientes das emendas parlamentares eram importantes, mas também era necessário recursos fixos.

Houve ainda entre os administradores hospitalares e representantes dos conselhos nacional, estadual e municipal de saúde, a defesa de medidas mais rígidas para conter a circulação das pessoas e a disseminação do vírus. A maioria condenou a retomada da cogestão na saúde entre estado e municípios. Fernando Pigatto, do Conselho Nacional de Saúde, disse que desde antes da pandemia já vinha alertando para os cuidados necessários para o enfrentamento do problema, que se fazia, segundo ele, pela vacinação, pelo uso de máscaras e pelo isolamento social, e não por remédios sem comprovação científica. “Não podemos iludir as pessoas”, declarou, contestando manifestação do deputado Dr. Thiago Duarte (DEM) a respeito do tratamento precoce.

Também o representante do Conselho do Hospital Mãe de Deus, Gustavo Maltez Lengler, opôs-se a fala do deputado, mas a respeito da disponibilidade de profissionais de saúde. Disse que, a despeito do avanço da doença, a capacidade de recursos humanos era limitada. Para Sonia Regina Coradini, do Conselho de Enfermagem, havia um colapso nos recursos humanos. “Os profissionais não se reproduzem para atender em uma UTI de uma hora para outra”, disse.

Também defenderam medidas mais restritivas a representante do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre, Ana Paula de Lima, e o coordenador-geral da Rede Brasileira de Cooperação em Emergências, Armando De Negri. “Situação extraordinária exige medidas extraordinárias”, disse De Negri.

Estado e município
A secretária Arita Bergamnn afirmou conhecer as dificuldades relatadas pelos gestores hospitalares por manter diálogo permanente com eles. Reconheceu o esforço de todos e descreveu as ações do governo do Estado para lidar com a crise. Disse que, mesmo com todas as dificuldades, o estado vinha conseguindo manter a regularidade dos pagamentos aos hospitais, tendo liberado ontem R$ 68 milhões e ampliado o número de leitos de UTI em 1.361 em um ano de pandemia, 376 neste ano. Também afirmou ter colocado à disposição do município de Porto Alegre 50 leitos no hospital Partenon e viabilizado hospital de campanha, na Restinga, com 20 leitos (12 de UTI e oito clínicos).

A secretária ainda comunicou a compra de equipamentos: 60 respiradores, 60 monitores e 60 camas, além dos 230 comprados em 2020. Receberam 40 respiradores do Ministério da Saúde a serem distribuídos a hospitais que se comprometeram em abrir leitos e 10 equipamentos da JBS, além da possibilidade de doação de respiradores para as UPAs. Sobre a disponibilidade de profissionais da saúde, disse que possuíam um cadastro que podia ser solicitado pelos hospitais.

Quanto a medicamentos, disse que a indústria não estava dando conta da demanda e pedia que os hospitais fizessem uma programação semanal dos itens necessários. Informou que esse assunto, assim como os preços abusivos que estariam sendo praticados, estariam na pauta de reunião do governador Eduardo Leite com os governadores do Paraná e Santa Catarina. Disse ainda que buscariam negociar também com outros países, lembrando que no ano passado a Santa Casa de Livramento havia comprado no Uruguai por R$ 600 o kit entubação que no Brasil custaria R$ 10 mil.

O secretário municipal da Saúde, Mauro Sparta, reconheceu a importância da reunião em um momento de tanta angústia e relatou iniciativas do município. Disse que Porto Alegre era a cidade com o maior número de pessoas vacinadas no estado, mais de 200 mil, devendo avançar na faixa etária a ser imunizada na semana que vem e concluindo a vacinação dos profissionais de saúde. Disse que era preciso unir esforços para buscar recursos do governo federal e manifestou otimismo ao afirmar que o número de pedidos de internação na cidade estaria começando a diminuir.

O subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Marcelo Dornelles, explicou que a instituição vinha atuando com muito cuidado de modo a não interferir nas políticas públicas traçadas pelos governos e “não palpitar”, bem como a evitar as judicializações. Disse que foi criada uma comissão para investigar preços abusivos de medicamentos e pediu que aqueles que tivessem informações sobre o tema as encaminhassem à instituição.

Deputados
O deputado Dr. Thiago (DEM) avaliou que a questão financeira era algo para se discutir posteriormente, sendo necessário dirigir esforços para os pacientes das UTIs. Ele defendeu a ampliação do horário de funcionamento dos postos de saúde e a oferta do chamado “tratamento precoce”, além da abertura dos hospitais Álvaro Alvim e Parque Belém, em Porto Alegre. Também questionou a afirmação de qua faltariam profissionais de saúde dizendo possuir uma lista imensa de currículos de profissionais de saúde dispostos a trabalhar.

Valdeci Oliveira (PT) afirmou que os relatos dramáticos ouvidos na reunião precisavam ser transformados em ações concretas e pediu total engajamento em torno da vacina e da renda emergencial.

Edegar Pretto (PT) disse que a bancada petista havia feito a destinação completa das suas emendas à saúde no ano passado e certamente acolheria a sugestão do líder de governo de repetir o gesto. Ele criticou o governo federal e o comportamento do presidente da República, defendendo um plano alternativo de vacinação no RS, lembrando que no ano passado deram seu voto ao aumento da alíquota de ICMS no estado condicionado ao investimento em vacinas.

Para Pepe Vargas (PT), a melhor forma de reconhecer o trabalho heróico dos profissionais da saúde era conter a circulação do vírus, por isso considerava uma irresponsabilidade a retomada da cogestão.

Gerson Burmann (PDT) considerou que, por mais que a indústria tivesse dificuldade para atender a demanda por insumos, não se justificavam aumentos de mais 200% e a postura precisava ser fiscalizada pelo Ministério Público. O deputado também referiu projeto para permitir às empresas que destinassem aos hospitais 5% do ICMS pago por elas.

Adolfo Brito (PP) relatou reuniões que manteve com hospitais, consórcios de saúde e prefeitos da região central nas quais confirmou o que estava sendo dito na reunião.

Vilmar Lourenço (PSL) afirmou que o problema era o mesmo em todo o estado e lamentou que, a seu ver, houvesse muita reunião e pouco resultado. Disse que era preciso “abrir a chave do cofre”.


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