Amigos para sempre… até que a vida nos separe

A amizade verdadeira e eterna sempre foi muito celebrada e lembrada nas artes e no imaginário popular. Muitas vezes, é uma promessa feita formalmente entre duas pessoas, na cena idílica: “Prometa que nunca vamos nos separar”; “prometo que sempre estarei aqui para você, não importa o que aconteça”. E quem se lembra da famosa canção do saudoso Pavarotti, “Amigos para siempre”? E o clássico imemorial “Over Troubled Waters”, de Simon & Garfunkel: “Se você precisar de um amigo/estarei vindo logo atrás/como uma ponte sobre águas turbulentas”. Só que a realidade nem sempre é bem assim. Amizades, muitas vezes, não são para a vida toda, e mudam conforme as circunstâncias da nossa vida, e conforme nós mudamos. E está tudo – mais ou menos – ok.

 

A Ciência tem estudado a amizade – como o amor e a paixão. Um estudo na Holanda deduziu que uma amizade entre duas pessoas dura, em média, 7 anos. Outros estudos sugerem que o período é entre 5 e 7 anos. Há quem diga que, se uma amizade permanecer por mais de 7 anos, são grandes as chances de ser para toda a vida.

 

Em seu livro 1 de “Política”, Aristóteles declara que “o homem é, por natureza, um animal social que está inclinado a viver na companhia de outros”. A solidão, principalmente física, portanto, não seria natural ou desejada por um ser humano considerado normal, ou socialmente normal. Embora haja quem prefira viver só, ao menos intimamente. Quanto aos que “procuram viver na companhia de outros”, o problema aí é a velha história de se estar cercado de pessoas, mas se sentindo sozinho. Ter, supostamente, muitos amigos (se é que se possa chamar assim), mas ninguém em quem confiar ou com quem contar nas horas difíceis.

 

Há quem diga que a amizade se comprova em tempos difíceis. Discordo: é na alegria, nas vitórias, que mais vemos o verdadeiro amigo. A felicidade pelas conquistas alheias, genuína, os aplausos e a torcida para que o outro vá cada vez mais longe, ainda que esteja indo muito mais longe do que eu. E como é raro esse tipo de amizade! E sem interesses, financeiros, de status.

Penso agora que a amizade se tornou muito idealizada, afinal, em nosso âmago somos seres competitivos, e sentimentos moderados de inveja, cobiça e frustração fazem parte de qualquer relacionamento, quanto mais íntimo for. Até quando e o quanto suportar, eis a questão.

 

Hollywood e os clássicos da literatura nos ensinaram sobre amizades perfeitas, entre animais humanizados, seres humanos e animais, e entre humanos. Até entre seres sobrenaturais ou extraterrenos. Acho que amizades prefeitas não existem, não por muito tempo. Mas precisamos acreditar que existam, através da arte, que como sublinhou Nietzsche, “impede que a realidade nos destrua”.

 

Enfim, o que quero dizer é que me parece cada vez mais difícil fazer e manter amizades verdadeiras e duradouras. Quanto mais por toda a vida. (Exceto se você tiver um cachorro ou um gato, cada vez mais celebrados como nossos melhores amigos.) Nos “tempos líquidos” de Zygmunt Bauman, o filósofo polonês, tudo é muito volátil, inconstante, inconsistente. Imperam o egoísmo, o egocentrismo e o narcisismo. “Honra” já não é uma palavra que tem muita utilidade para a maioria das pessoas, mas muito presente em histórias de amizades para sempre.

Então, tudo bem se aquela amizade que parecia ser para sempre e nunca mudaria, acabar ou se tornar apenas um resquício do que já foi. Tudo bem se um amigo lhe trocar por outros. As amizades mudam conforme nós mudamos. A própria vida seleciona nossas companhias, que devem, de preferência, estar na mesma vibe que nós, ter coisas em comum, quem sabe em nível de maturidade e em outros níveis.

 

Tudo bem se for muito rara uma amizade que dure a vida toda. Amizade, digo, não mero convívio. Digo isso sem amargura. Está ok aceitar os ciclos que a vida nos impõe, incluindo pessoas que vêm e vão.

 

Se uma amizade é verdadeira e para toda a vida, só o tempo vai dizer. Nenhuma palavra poderá exprimir. Seria ótimo se todos nós tivéssemos amigos, em todas as fases da vida, mesmo que “contando nos dedos de uma mão”, ou apenas um. E bom seria se todos tivéssemos ao menos uma amizade para a vida toda, daquelas em que duas pessoas, já na terceira idade, se reúnem de vez em quando para relembrar os bons tempos, ou contam suas peripécias com o(s) melhor(es) amigos aos netos, com um sorriso nostálgico nos lábios enrijecidos pelo tempo.

Está tudo bem, tudo bem se a vida arrancar pessoas e plantar novas. Se você sentir que deve se afastar de alguém, ou que alguém está se afastando de você. Tudo bem se velhos amigos, de repente, parecerem “semi-estranhos”. Se “não for como antes”, e nunca mais vá ser. Seja eterno enquanto dure. E, para aqueles que tiverem muita sorte, ou Providência, valha o dito de Mário Quintana: “Amizade é um amor que nunca morre”. E nunca deixa de amar.