Como Diferenciar Opinião de Fato?

Vivemos a época das famigeradas “fake news”. O governo atual, inclusive, planeja, ou até há pouco planejava uma comissão especial que definisse o que são “fake news” ou notícias falsas, potencialmente nocivas ao povo “desinformado”. De tal corte, faria parte o “esclarecidíssimo legista” Felipe Neto, para se ter uma ideia. Acredito que este plano, que é mal visto pela Câmara, não vá passar. Ninguém quer ser julgado por pessoas com ideologias próprias e que pretendam ser “donas da verdade”, segundo suas lentes políticas, ferindo a Constituição Federal democrática do Brasil, uma das mais liberais do mundo. Mas as fake news nos fazem pensar na importante, e não muitas vezes clara, diferença entre opinião e fato.

Distinguir opinião de fato significa, em primeiro lugar, obviamente, selecionar o que é discutível (opinião) e o que é indiscutível (fato). Tarefa nem sempre fácil ou simples, uma vez que fatos podem vir acompanhados, ainda que sutilmente, de pinceladas, às vezes vultosas, de visões pessoais ou institucionais. Vamos tentar exemplos simplórios.

Dizer que “uma árvore caiu na Avenida Goethe em Porto Alegre durante uma tempestade” é um fato. Neutro, observável, comprovado. Ou que houve um ciclone extratropical no Rio Grande do Sul em 2023, que provocou muitos estragos. Este “muito” sequer pode ser questionado, em diversos sentidos: perdas de vidas humanas, moradias, aulas em escolas, medo disseminado, caos na natureza. E como seria “inocular” opinião pessoal (ainda que, supostamente, “profissional” ou imparcial) nestes fatos?

Seria afirmar, por exemplo, que a árvore que caiu era bela, antiga, imprescindível para a preservação ecológica na cidade de Porto Alegre, que o desastre poderia ter sido evitado, foi culpa de alguéns etc. E que o ciclone, por sua vez, foi o desastre natural mais grave do Brasil no mês em que ocorreu, e medidas de segurança poderiam ter sido mais efetivas; ou que o ciclone é um reflexo do desequilíbrio ambiental, como o derretimento das calotas polares e o desmatamento que afeta o bioma local. Só para citar algumas possibilidades, visto que o campo “opinião” é praticamente infinito e nem sempre o que parece óbvio é condizente com a realidade, ou o que parece loucura, incongruente com o mundo atual, se pensarmos bem.

Fatos são, em suma, acontecimentos. Opiniões são pontos de vista. Este conceito está longe de encerrar a questão, já que a imparcialidade se torna cada vez mais difícil, dado o acesso a fontes distintas e cada vez mais abundantes de informação a que a maioria de nós tem acesso nos dias de hoje.

Longe de mim pretender “resolver” esta questão, senão nos fazer refletir sobre ela.

Primeiro: em termos de opinião, ninguém é dono da verdade, por mais que se pretenda ser. A própria Lei, em grande parte, pode ser interpretativa, dependendo do jurista e suas visões ou seus objetivos – ou das visões de qualquer um de nós, às vezes mais simples que as conjecturas de profissionais renomados que buscam “buracos complexos” nas legislações.

Para finalizar, duas coisas: a primeira, o alarmante fato de que a Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2019, concluiu que apenas 10% dos jovens no mundo são, supostamente, capazes de distinguir fato de opinião. Este índice regride para incríveis 2% no Brasil, país dominado por analfabetos funcionais (incapazes de interpretar um texto, minimamente), ainda que com Ensino Superior completo. Engraçado, porque vemos nas redes sociais que todo mundo quer ter razão no nosso país, ainda que o argumento final seja uma ofensa (com “razão”, é claro).

E a segunda observação que faço é que não se pode tolerar que servidores públicos, pagos com dinheiro público, exceto políticos (que se elegeram mediante posicionamento ideológico), incitem a opinião alheia, como fazem muitos professores, dentro e fora das salas de aula, mediante sua influência como docentes e “detentores do saber”. Tampouco, juristas podem ser parciais, haja vista que a imparcialidade no julgamento de fatos é cláusula pétrea – ou deveria ser – no Direito.

Podemos e devemos ter opiniões, mas, muitas vezes, estas devem ficar retidas em nós ou reservadas apenas aos mais próximos; ou expressadas de forma anônima, sem utilizarmo-nos de um cargo público ou posição social para literalmente coagir outras pessoas, mais incautas ou dependentes, de alguma forma, de nós, como alunos ou o povo que depende de funcionários públicos. Leia a Lei 8.112 e adjacentes.

E, por fim, agora sim, opinião não deve ser ofensa. Esta é, a meu ver, a coisa mais difícil. Quem ofende, de maneira pessoal, ainda mais sem conhecer a pessoa de verdade (o que já é discutível) já demonstrou que não tem argumentos. Depoimentos não são garantias de fatos verdadeiros. Provas, são. E quais são as provas cabais? Quais podem ser forjadas? Este é um velho problema nos julgamentos, dentro e fora dos tribunais.

Seja como for, recomendo que busquemos diferentes pontos de vista e uma averiguação de cada fato antes de opinar fundamentados apenas no que “ouvimos por aí”, em frases-feitas, ideologias tantas vezes inverossímeis, ou pior, no ódio, no preconceito (ainda que velado) e em interesses pessoais escusos.