Despedir-se (aos poucos) de si mesmo

O que é mais difícil: despedir-se de algo ou alguém de repente, ou aos poucos? Perder alguma coisa ou pessoa de repente pode ser uma dor insuportável, como arrancar um braço (ou “um dente da frente”, como citou Clarice Lispector); mas, enfim, “está resolvido”. Pode parecer superficial, porém, aconteceu. Agora é lidar com a situação, “costurar” o que foi arrancado. Sabemos que nem sempre o tempo cura tudo, mas, com certeza, ameniza… E há o que amaremos, e pelo que (por quem) sofreremos por toda a nossa vida.

E se despedir aos poucos? Ah… esse, na minha opinião, é o pior tipo de despedida, de perda, de perdição. Especialmente se estivermos falando em perder pessoas. Lembro como fui perdendo meu avô, imigrante tcheco, aos poucos, a cada dia definhando… um dia, ele derrubou a cabeça no prato e morreu. Imagino uma mãe com um filho em uma cama de hospital para um câncer, não sabendo quando o verá pela última vez. Um namorado com uma namorada em coma, que dificilmente voltará, mas há uma esperança, no entanto, antes dela, uma sensação dolorosa de despedida cruelmente lenta…

Não quero falar apenas das despedidas físicas. Quando alguém se muda para um lugar longe, tipo a Nova Zelândia, ou mesmo um lugar nem tão longe que parece ter a distância da Nova Zelândia. Quando alguém diz “adeus”, e desaparece para nunca mais voltar, e não se deixa mais encontrar. Quando alguém acaba um relacionamento porque simplesmente “dessa vez não tem volta”, e você sabe disso. Quando a despedida não é permanente, por exemplo a síndrome do ninho vazio de perder os filhos para o mundo, deixá-los criar asas e voar até outras árvores, nuvens, ninhos… Será que retornará? Será o mesmo? Quando?

E há, finalmente, a perda mais triste de todas, embora pareça menos dolorosa, em pequenas doses de mudanças, amarguras, buracos, sentimentos, desejos, princípios, alegrias que se despedem lentamente: é a despedida de si mesmo. A gente vai se perdendo com o tempo, quase sempre sem perceber. Como o sapo dentro da panela no fogo, que se adapta ao calor.

Perder-se a si mesmo é mesmo muito triste. Disse Mario Quintana uma vez: “Não há história mais triste que um caminho que se perdeu…”. E esse caminho, na maioria das vezes, é o que a gente é: andamos por lugares que procuramos, de que precisamos ou com os quais nos identificamos. É tão doloroso perder-se de si mesmo. Perder quem você foi um dia, e você era seus sonhos, seus sorrisos, seus olhos brilhando com coisas simples, seus abraços, sua compreensão, sua inocência que lhe permitia não endurecer a ponto de ferir a si mesmo e aos outros como um hábito.

Mudar é algo natural na vida: infância, adolescência, fase adulta, velhice… A vida exige versões diferentes de nós mesmos conforme o tempo passa. Mas não é disso que falo; falo sobre perder a essência daquilo que somos, nossas melhores partes, nossos maiores sonhos, nosso coração.

O que sobra? Culpar os outros? Viver se culpando? Tornar-se a cada dia um espectro, uma sombra de si mesmo? Até que, em uma quinta-feira à tarde, você toma um chá quente na janela e percebe que é outra pessoa. Não porque o tempo teve que modificar você. Você está se despedindo de si mesmo… Você já foi tão mais feliz e sonhador, ainda que possa parecer bobo agora.

Como a pele enruga aos poucos, o coração enruga, as ideias enrugam, a vida fica presa em rotinas e obrigações para a maioria das pessoas… Elas se despediram de si mesmas. E nada pode ser mais triste que um caminho, ou um coração que se perdeu…

Preste atenção. Não deixe que lhe roubem o melhor de você.

Eu sei, é difícil. Não somos capazes de controlar o mal que as circunstâncias nos provocam. Mas você pode tentar. Pegue uma caneta agora. Reassuma o roteiro da sua história. Não se pode voltar ao passado, mas é possível aprender com ele e se tornar uma pessoa ainda melhor do que antes. É possível reencontrar, em cada entrelinha, a si mesmo.

Não se perca… seja de repente, por um fato brusco, seja aos poucos. Você foi uma semente única que um dia escolheu e se esforçou para ser plantada. Não se deixe roubar de si mesmo. Nada compensa. Não se deixe ir embora, como o sol que vai desaparecendo no entardecer.

Esteja sempre atento ao que você deseja, ao que acredita, aonde quer chegar, a suas ideias, a quais pessoas você quer na sua vida. Faça escolhas. Tudo são escolhas. Mesmo não se despedir de si mesmo, ainda que a despedida já tenha começado. A luta é grande, muitas vezes, mas a vontade e o amor-próprio, o amor à vida e às pessoas tem que ser maior.

Todo dia, escolha se reencontrar.

Olhe-se no espelho. Saiba quem você se tornou, quem quer se tornar, sobretudo quem você é de verdade – uma pessoa que tinha uma vida inteira para desbravar, e até fazia algumas loucuras. Não olhava tanto o relógio. Não se preocupava tanto em levar o guarda-chuva. Os boletos, ah, os boletos são como formigas saindo de um formigueiro, eles nunca vão parar. Mas você não vai deixar os boletos, o trânsito, os relacionamentos malsucedidos roubarem quem você é.

Não se despeça de você… não faça com que aqueles que você ama o vejam indo embora aos poucos…

Como um girassol, volte-se todos os dias para o sol – ainda que ele esteja atrás das nuvens, ou mesmo das densas nuvens de uma tempestade. Volte-se para quem você realmente é. Descubra sua identidade. Talvez ela esteja dormente há muito tempo, desde a infância. Reencontre-se…

A vida é feita de tantos desencontros, mas há muito reencontro pela vida, como disse Vinícius de Moraes, o poeta.

Se você pode? Depende só de você.

Tudo são escolhas. Pequenas escolhas, grandes escolhas, escolhas repentinas ou sutis que se arrastam pelos dias.

Reencontre seus tesouros, e você se reencontrará. Porque, assim nos disse Jesus Cristo (creia você Nele ou não, como Filho de Deus ou um sábio), “aonde estiver o seu tesouro, aí estará o seu coração”. O seu coração é você.

Com carinho,

Leila Krüger.