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quarta-feira, janeiro 15, 2025
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A leitura como pilar do futuro: o desafio do Analfabetismo Funcional no Brasil e as lições do mundo

Estamos no final de um ano letivo e, com ele, se aproxima o momento de refletirmos sobre a formação dos indivíduos que, em breve, farão parte da sociedade ativa de amanhã. Aqueles que tomarão decisões essenciais, desde as mais pessoais até as coletivas, como o simples ato de votar. Em um Brasil marcado por desigualdades educacionais históricas, não podemos mais fingir que está tudo bem. A realidade de um país que ainda enfrenta altos índices de analfabetismo funcional e uma baixa taxa de leitura coloca-nos em uma posição desvantajosa no cenário global. O que, de fato, temos a oferecer aos nossos jovens, que serão os cidadãos do futuro?

A leitura, uma atividade que é fundamental para o desenvolvimento do pensamento crítico, tem sido negligenciada em muitos lares e escolas brasileiras. A pesquisa Retratos da leitura no Brasil, de 2021, revela que cerca de 52% da população brasileira tem o hábito de ler. No entanto, esse dado não deve ser comemorado, uma vez que, nos últimos anos, o Brasil perdeu 4,6 milhões de leitores. A situação se agrava quando comparamos o Brasil a países com índices de leitura muito superiores. Enquanto um brasileiro lê, em média, quatro livros por ano, um canadense lê 12. Isso não apenas evidencia uma diferença de hábitos culturais, mas também revela uma discrepância no desenvolvimento intelectual das populações.

A leitura, de acordo com o professor Luiz Rohden, decano da Escola de Humanidades da Unisinos, é um exercício de maturação intelectual, algo que as tecnologias mais rápidas e as mídias sociais dificultam. A agilidade do consumo de informação muitas vezes impede que a mente tenha tempo de digerir e refletir sobre o que é lido. O hábito de ler, como qualquer outro, exige prática, dedicação e estímulo constante, principalmente de pais e educadores. É um exercício que, quando desenvolvido com prazer, amplia os horizontes de quem lê. Como dizia o escritor Alberto Manguel, “nós somos o que lemos, e se lemos pouco, pouco somos”.

Esse é um problema que se reflete diretamente no fenômeno do analfabetismo funcional, que afeta cerca de 29% da população adulta brasileira. A pessoa analfabeta funcional é aquela que, embora saiba ler e escrever, não consegue interpretar e utilizar a informação de forma adequada no seu cotidiano. Isso a torna incapaz de tomar decisões informadas, compreender textos mais complexos ou realizar tarefas simples que envolvam leitura e escrita. Em um país com esse índice, a desigualdade educacional se perpetua e as chances de mobilidade social se tornam mínimas.

Além disso, um dado alarmante sobre o ensino superior no Brasil é que 71% dos jovens que ingressam nas universidades são analfabetos funcionais. Isso significa que, mesmo após anos de escolarização, esses jovens chegam ao ensino superior sem a capacidade de interpretar e utilizar as informações de maneira crítica e eficiente. Essa realidade tem sérias consequências tanto para o desenvolvimento acadêmico desses estudantes quanto para o mercado de trabalho que os aguarda. A incapacidade de ler e compreender textos complexos e de articular ideias de forma coerente coloca esses indivíduos em desvantagem no ensino superior, onde a capacidade de análise crítica é essencial. Consequentemente, muitos se veem impossibilitados de acompanhar o ritmo acadêmico, o que resulta em taxas mais altas de evasão e desempenho insatisfatório.

Aqui, entra um dos maiores desafios do país: a mobilidade social. Mobilidade social é a capacidade dos indivíduos de ascender economicamente e melhorar sua condição de vida ao longo do tempo, principalmente por meio da educação e do emprego. Quando um indivíduo não é capaz de interpretar e usar informações de forma eficaz, ele tem grandes dificuldades para melhorar sua posição social. A leitura e o domínio do conhecimento são elementos centrais nesse processo, pois garantem que o indivíduo consiga entender as possibilidades de ascensão e agir para conquistá-las. Sem a capacidade de compreender textos complexos e argumentar com coerência, a pessoa se vê limitada na busca por melhores oportunidades de trabalho, o que impede o aumento de sua renda e, consequentemente, o avanço na escada social. Essa falta de qualificação também impacta as chances de acesso a cargos de liderança ou à participação ativa nas decisões que influenciam a sociedade.

Os reflexos disso são devastadores. Um eleitor que não compreende adequadamente as propostas de candidatos, por exemplo, está mais propenso a ser manipulado ou a votar sem o devido discernimento. No mercado de trabalho, a falta de habilidades críticas limita o crescimento profissional e a qualificação, o que impacta a produtividade e a competitividade do país. O analfabetismo funcional, portanto, não afeta apenas o indivíduo, mas também o desenvolvimento social e econômico do Brasil.

Comparando com outros países, vemos que o Brasil ainda está muito aquém do que poderia alcançar. Na Coreia do Sul, por exemplo, o país conseguiu erradicar o analfabetismo funcional décadas atrás, com políticas públicas robustas e investimentos em educação de qualidade. Da mesma forma, na França e nos Estados Unidos, a alfabetização funcional é uma prioridade que gerou uma população mais crítica, capaz de tomar decisões informadas tanto no mercado de trabalho quanto nas urnas. Esses países investiram em programas educacionais contínuos e, principalmente, em uma cultura que valoriza a leitura e o aprendizado contínuo. Por que não podemos seguir esse exemplo?

No Brasil, o problema é multifacetado. A falta de estímulo à leitura, a precariedade das condições de ensino em muitas regiões e as políticas públicas ineficazes para combater o analfabetismo funcional são fatores cruciais. A escassez de investimento na educação e a desvalorização da profissão docente, agravadas por um cenário político e social tumultuado, tornam a tarefa de melhorar os índices de leitura e alfabetização uma missão ainda mais difícil. No entanto, a solução começa com pequenos passos: incentivar a leitura nas escolas, promover a alfabetização funcional desde a educação básica e implementar políticas públicas que favoreçam o acesso ao conhecimento e à reflexão crítica.

Por outro lado, a tecnologia pode ser uma aliada nesse processo. Ferramentas como e-books e audiolivros oferecem uma alternativa acessível e dinâmica para quem enfrenta dificuldades com os formatos tradicionais de leitura. A prática da leitura digital, por exemplo, permite que o ato de ler seja incorporado à rotina, especialmente durante trajetos diários, aumentando a quantidade de leitura de forma orgânica e prazerosa.

O maior desafio, porém, continua sendo a mudança cultural. Para que a leitura e o conhecimento se tornem uma prioridade na vida das pessoas, é necessário um esforço coletivo, que envolva não apenas as escolas, mas também as famílias e a sociedade em geral. Se, como afirma Manguel, “somos o que lemos”, o futuro do Brasil será o reflexo da qualidade e da quantidade de leitura cultivada hoje. E isso inclui a formação de cidadãos críticos, capazes de compreender os textos que impactam suas vidas e, consequentemente, a democracia.

Ao final de mais um ano letivo, é o momento de refletirmos sobre o futuro da educação no Brasil e o papel fundamental da leitura na formação das próximas gerações. O país não pode mais se dar ao luxo de ignorar a crise educacional em que se encontra. Como em qualquer democracia madura, o investimento em educação é o único caminho para garantir um futuro mais justo, equânime e livre de manipulações. Que a leitura, mais do que um simples passatempo, seja vista como uma ferramenta indispensável para a transformação social, política e econômica. O futuro do Brasil depende disso.

Por Fernando Pereira – Jornalista

 

 

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