Em 2019, quando começou a ensinar sobre células no Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), a professora Diane Lina já conhecia a reputação de um senhor de quase 80 anos que ingressara no curso de Medicina Veterinária após ser o primeiro colocado no vestibular. Foram seis anos acompanhando o resiliente aluno que, incentivado pela esposa e movido por um sonho, finalmente alcançou seu objetivo.
Natural de Santo Ângelo, pai de quatro filhos, avô de 11 netos e bisavô de três bisnetos, Salcedo Grass Lautert, 81 anos, está prestes a se tornar médico veterinário. A formatura está marcada para o dia 23 de agosto.
— Ele sempre foi muito divertido e otimista. Ajudava os colegas a se motivarem com as atividades e era auxiliado pelos mais jovens a lidar com a tecnologia. Ele se destacou especialmente em uma prova de Citologia e Histologia, uma disciplina muito complicada, superando os colegas — relata Diane.
Residente na Serra há 36 anos, Lautert estabeleceu-se em Farroupilha, onde gerenciava uma gráfica. Ele também foi fabricante de carimbos e funcionário concursado do Hospital São Carlos. Após a aposentadoria, a busca incessante por conhecimento preencheu o vazio deixado pelo trabalho.
— A inércia me fez pensar que precisava voltar a estudar. Quando trabalhava na gráfica, sofria com muitas dores na coluna e me perguntei o motivo. Naquela noite, sonhei com minha irmã falecida carregando livros. Na manhã seguinte, um homem bateu à minha porta oferecendo um livro chamado O Poder do Subconsciente. Desde então, nunca mais parei de estudar.
Estudou parapsicologia, espiritismo, filosofia e, finalmente, células, sua matéria favorita, que ele pôde colocar em prática durante estágio no laboratório de patologia clínica e em uma clínica veterinária de Farroupilha. Experiências que agora fazem parte de seu currículo.
— Gosto de cirurgia e patologia, mas me pergunto onde vou exercer. Preciso de emprego — considera Lautert.
Conquista em meio ao luto
As perdas de Lautert, incluindo a morte de duas filhas, uma aos dois e outra aos 27 anos, não o definem, mas ilustram sua força de vontade. Quando estava próximo de concluir o estágio curricular, ele perdeu sua esposa de forma repentina, vítima de um linfoma em estágio avançado.
— Ela tinha 75 anos, estava bem e, de uma hora para outra, partiu. Era minha maior incentivadora, foi quem descobriu o curso de R$ 49,90 na internet e me fez passar em primeiro lugar. Encontrei na meditação a paz necessária para concluir. Dizia para mim mesmo todos os dias que iria conseguir — afirma.
Durante os quase sete anos de curso, Lautert enfrentou, além da pandemia e das aulas virtuais, duas cataratas que prejudicaram sua visão. Desenvolveu, então, uma nova habilidade que o ajudou na memorização dos conteúdos.
— Não enxergava nada, nem o portão de casa. Faziam letras enormes para mim nas provas, mas me saía bem porque precisava decorar os conteúdos — conta.
A formatura será comemorada com uma festa. Seu filho Jean Carlo Lautert, 47, planeja reunir amigos e familiares para celebrar o sonho antigo de seu pai de concluir o Ensino Superior.
— Ele estava obstinado a conseguir, era o sonho da vida dele e a gente sabia que ele não tinha realizado. Foi interrompido aos 50 anos, quando cursava Direito e nossa irmã faleceu com um derrame cerebral, aos 27. Minha mãe acompanhou todo o processo. Morreu faltando 10 dias para concluir o estágio e sabemos que ela está muito orgulhosa — diz Jean.
