Em março de 2023, “vazou” um vídeo de três universitárias de Bauru, SP, debochando de uma colega por ela ter 40 anos. As imagens geraram indignação nacional. Nelas, as estudantes diziam que Patricia Linares, à época com 44 anos, deveria estar aposentada e debochavam da “colega”. Em seguida, a universidade Unisagrado, onde as difamadoras estudavam Biomedicina, alegou que medidas seriam tomadas em relação às alunas envolvidas, que se disseram “arrependidas”. Mas que medidas foram tomadas? O centro universitário informou ter aberto um processo disciplinar (ah, a burocracia…), porém o caso foi finalizado (ufa!) com a desistência das estudantes de seguir com a graduação na dita instituição. Ficaram as consequências à saúde mental de Patricia, e a indigesta questão do etarismo no Ensino Superior. E, é claro, a constatação de uma postura fraca por parte da maioria dos institutos de nível superior em relação a bullying e, especificamente, etarismo.
Universidades devem falar de preconceitos e questões sociais, sem viés político explícito do corpo docente, como manda a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, tão “desobedecida” por militâncias escancaradas. Nesse bojo, sentimos falta da abordagem do etarismo no Ensino Superior, algo frequente e devastador para vítimas e instituições. Ainda mais em uma época em que, através do Ensino a Distância (EaD) e da proliferação de entidades e formas de acesso ao Ensino Superior, é cada vez mais comum ver pessoas de 40 anos ou mais conseguindo, finalmente, um diploma que lhes garanta melhores perspectivas de vida. Isso vem na contramão do nefasto etarismo no Ensino Superior – e, na verdade, em qualquer instituição de ensino, mesmo de Nível Básico.
Aqui cabe um parêntese, talvez um pouco tardio: conceitualmente, etarismo é um preconceito, velado ou explícito, contra pessoas com mais idade, em qualquer ambiente ou circunstância. Ocorre principalmente em instituições de ensino e no mercado de trabalho. Em relação à inclusão de pessoas de idade mais avançada (o que seria idade “mais avançada”, ainda mais havendo competência, comprometimento e saúde mental da pessoa de mais idade?), os debates têm ocorrido prodigamente. Mas o etarismo na Educação, e principalmente no Ensino Médio, não tem recebido toda essa atenção da sociedade e das instituições, e nem mesmo do governo.
O Brasil precisa de mais pessoas com diploma, instruídas e formadas em boas instituições. “Boas” no sentido técnico e científico, mas também boas como ambientes de aprendizado e convivência. A discriminação etária no Ensino Superior no Brasil é um retrocesso, não só para a dignidade de inúmeras pessoas, mas para a justiça e igualdade sociais, e, afinal, para a sociedade brasileira.
O etarismo pode se manifestar de várias formas, estejamos atentos para não sermos autores ou vítimas desse mal. A legislação brasileira garante liberdade de oportunidades a todos (e outras liberdades individuais, embora muitas delas somente na teoria, atualmente). Então, é premente que as universidades, públicas ou privadas, prestem mais atenção e assistência a pessoas vulnerabilizadas pela possibilidade de preconceito de etarismo. Mesmo em concursos vestibulares e outros concursos, ainda se atrela muito as pessoas a uma faixa etária mais jovem. Estes, supostamente, teriam mais tempo para se dedicar aos estudos e mais tempo de trabalho, incluindo aí capacidade de aprendizagem e evolução na carreira profissional.
O fato é que nossa sociedade de Terceiro Mundo não valoriza os mais velhos, e não apenas por sua condição econômica, mas pela cultura repleta de preconceitos. Se pessoas mais velhas, “passadas”, são vítimas de preconceito etário, imagine os idosos. É que as garras popularizadas, mas infames do etarismo são enganosas. Pessoas mais jovens nem sempre podem mais, ou são mais eficientes, proativas, saudáveis, disponíveis e inteligentes. Acredite, não apenas alunos, mas muitos professores e gestores pensam assim, muitas vezes de forma não escancarada, mas perceptível.
O caso de Patricia e das três desdenhosas estudantes – jovens, “saudáveis” e cruéis – é apenas um em muitos, e o combate ao etarismo no Ensino Superior “esfriou”. Após o ocorrido, no início de 2023, universitários com mais de 40 anos chegaram a criar uma “corrente do bem” em diversas partes do nosso país. Mas e aí? Até quando o etarismo vai continuar ferindo dignidades individuais, e a dignidade de instituições de ensino superior e a legislação, que garante direitos iguais a todos? Até quando esse etarismo no Ensino Superior vai continuar fazendo as taxas de evasão das vítimas saltarem, para além dos problemas e ocupações que idades mais avançadas podem impor à aprendizagem?
É necessário que o etarismo no Ensino Superior seja combatido de forma efetiva e eficiente: um esforço coletivo de todas as partes envolvidas, do governo, das instituições e do povo. Ações recomendadas levam à conscientização sobre o envelhecimento, implementação de políticas afirmativas em relação ao perfil etário dos candidatos e estudantes, e criação de programas de acolhimento para universitários com mais idade que a média. Sem esquecer do estímulo ao diálogo e à integração entre diferentes faixas etárias. Tudo isso parece muito difícil? Imagine quando acontecer com quem você ama, ou com você mesmo. É, são tempos difíceis para os sonhadores. Mas não há limite de idade para sonhar, e isso não é apenas uma frase-feita para os que sonham.