Não precisamos ter todas as respostas: Ciência x Fé

Leila Krüger

 A humanidade sempre conviveu com a obscuridade de não ter explicações para inúmeros fenômenos da vida, inclusive a própria morte; atribuindo-os, em geral, ao menos até pouco tempo, massivamente ao Divino e ao mundo sobrenatural. Então veio o iluminismo, determinado a acender algumas luzes – e a apagar as fogueiras da Inquisição, colocando o ser humano no centro do Universo, e a Ciência e a racionalidade, no centro da existência terrena.

 

Nasceu o ateísmo propriamente dito, organizado, registrado academicamente, como posição moral, social, política e pessoal.

Nenhuma sociedade da Antiguidade, até onde eu saiba, era ateísta ou niilista, desprendendo-se da inexplicabilidade de inúmeros fenômenos no mundo. O ateísmo iluminista – antes disso, um ateísmo muito parco e até perseguido – foi uma resposta à grande sombra da Igreja e ao conflito – que já foi muito maior – entre Deus e Ciência. Então, as respostas que antes eram simplesmente delegadas ao plano sobrenatural, notadamente religioso, passaram a exigir provas científicas, empíricas, experimentais, cabais; ou a negação do inexplicável. Nietzsche (e outros) “matou” Deus, após as bases centralizadas no homem terem sido erigidas pelo libertário e humanista filósofo grego Aristóteles, que contrariou seu mestre determinista e mais “espiritualizado” Platão.

 

Só que a Ciência não conseguiu e ainda não consegue – e, na minha opinião, jamais conseguirá – ter todas as respostas que almeja, longe disso. Daí o niilismo: negar. É mais fácil, sem dúvidas. Muitos dos pensadores e pessoas em geral da nossa época apenas negam. Negam um mundo sobrenatural, negam o que não entendem, negam a vida pós-morte, o problema do livre-arbítrio supervisionado por um ente superior, a dimensão divina. Não seria esta uma fraqueza, uma fuga, um tapa-buracos? Não que a única alternativa seja se tornar religioso ou ter uma crença definida. Mas, apenas negar… O que era o “Nada” de Jean-Paul Sartre, o filho do existencialismo que veio após o pai, o cristão Kierkegaard?

Para ser mais sucinta: a Ciência exige respostas para que algo seja validado. Provas. Hipóteses, ao menos. Sempre humana e visivelmente justificáveis. A fé, a crença, a busca, não.

 

A necessidade de se ligar a algo superior veio intrínseca ao ente humano, como destaca o autor Mircea Eliade ao utilizar o termo “re-ligare”, ligar novamente o que está embaixo (terra) com o que está em cima (céu). De onde vem “religião”, ritos, crenças. Não me lembro de um povo ateu na Antiguidade, como disse, e sim, poderia ter havido: bastaria “matar” um ente superior e negar o que não se explica.

 

Não quero aqui ser, de maneira alguma, preconceituosa com ateus, cientistas ou, muito menos, religiosos ou (a)gnósticos. Só que, na “ciranda” da compreensão da vida, parecem mais desiludidos, embora mais gélidos, os que se atêm ao niilismo e à Ciência do que os que têm fé e uma mente aberta a outras dimensões, como a espiritual. Estudos comprovam, inclusive, que quem tem fé em algo vive mais, recupera-se mais facilmente de enfermidades e tem uma vida mais leve – não por isso necessariamente amortecida. Há o problema da responsabilidade das escolhas pessoais.

 

Daí que a Ciência tem provado Deus, ou, digamos, um Ente Superior. Ao contrário do que muitos esperavam. A colisão milenar entre Igreja e Ciência, fé e empirismo, considero ultrapassada, embora muitos insistam nela. Cada um escolhe o que lhe aprouver crer. A não crença é uma crença no nada.

 

Eu decidi ter fé: acreditar no que não se vê ou não se espera ou não se compreende. A que, ou a quem irá recorrer quem em nada acredita de sobrenatural, mas tem certeza de que a vida é apenas isso aí que vemos, e a morte é o fim total? E os fenômenos são todos resultados de histeria, esquizofrenia, má interpretação, condicionamento coletivo etc. Haja fé para acreditar que tudo se uniu magicamente, através de bilhões de anos, contrariando a Lei do Caos.

 

Nem tudo tem de ser explicado. Não precisa. Perdas, infortúnios, pessoas, fenômenos. Tanto deístas ou gnósticos como ateístas convergem no ponto de que não podem explicar tudo. Aqueles, creem, pela fé, que há uma explicação, um objetivo, uma direção, embora possam não saber durante toda a sua vida qual é especificamente; estes, apenas negam (niilismo).

Como tem sido seu caminho em busca de si mesmo e do que está além, e é maior que você?

 

Sócrates dizia: “Conhece-te a ti mesmo”. Tudo está dentro de nós, mas não creio que seja apenas humano, literal ou simplório.

 

Basta não fecharmos a porta, com uma reação “bovina”, segundo certo “filósofo” bastante difundido na atualidade brasileira: “huuum”. “Mugir” não resolve nada, e ainda é uma forma de desprezo narcisista, eu penso. Mas este “huuuum” pode ser da pessoa que pensa, avalia, busca, reconsidera, e o faz durante toda a sua jornada terrena. Esta é minha reação bovina: ponderar, “caçar” os fatos, as verdades (nem tudo é relativo, embora pontos de vista sejam diferentes), a moral e a ética – que é a reflexão filosófica sobre os princípios, valores e normas que definem nosso comportamento humano.

Nem tudo pode ser explicado, e nunca será.

Então, escolho acreditar no que não entendo e não vejo, mas sinto, vi ou soube de alguma forma. Tão limitados somos, eu e você, e que pedantismo preciosista acharmos que a sabedoria e o conhecimento humanos podem encerrar as questões do Universo, do livre-arbítrio, do passado, presente e futuro. Busque sempre conhecer a si mesmo e ao mundo, por dentro e por fora de você, na terra e no “céu”, pratique o re-ligare. Se eu fosse você, faria isso, em vez de me afogar em niilismos simplistas e – acredito – nunca suficientes para uma verdadeira felicidade e satisfação humanas.